Todo dia que eu chegava
na escola estava com cara de ressaca e minhas coleguinhas me perguntavam ‘e aí,
aconteceu mais alguma coisa louca ontem?’ Ninguém acreditava que podia
acontecer tanta coisa doida comigo de uma só vez! Segunda-feira então era o
melhor dia, porque tinha um fim de semana inteiro para contar! Nessa segunda,
porém, eu cheguei com mais dúvidas do que histórias.. Perguntava para todo mundo o que eu deveria
fazer, e obviamente todo mundo me dizia q era loucura ainda estar trabalhando
lá... Mas não sei, acho que deve ser porque eu gosto de desafios... hahahaha
Quando cheguei
em Vancouver, eu achava que tinham pouquíssimos brasileiros aqui, mas com o
tempo eu fui vendo que a comunidade brasileira daqui é grande e tende a se
juntar... Acabei conhecendo muitos contrrâneos pelas esquinas da cidade... E
vou dizer que isso me ajudou bastante... No desespero de não trabalhar sozinha
liguei para uma amiga brasileira que namorava outro brasileiro e que conhecia
mais um que queria trabalhar.. Expliquei que precisava de um cozinheiro e ela
falou q arranjaria um, mas não me deu notícias... Quando cheguei ao pub na
segunda, cumprimentei todo mundo e já estava preparando um textinho na cabeça
para avisar ao dono que eu não trabalharia mais lá, já que ele não tinha
arrumado ninguém... Só que quando eu cheguei o bartender me falou: ‘Fey (eles
não conseguem falar Fê por nada nesse mundo, então ganhei esse apelidinho
carinhoso que mais parece um nome japonês ou uma abreviação de feia.. hahaha),
seu amigo está aqui’ e me apontou um rapaz que estava sentado no bar, mas que
eu nunca tinha visto na vida... Logo saquei que era um brasileiro, e que
provavelmente tinha sido chamado pela minha amiga, mas não consegui disfarçar e
fingir que o conhecia. O dono, que estava bem na frente com o currículo dele na
mão, me olhou com cara de espanto e perguntou ‘Peraí, vocês acabaram de se
conhecer?’ Não tive como mentir, falei que sim, mas estava tão desesperada para
ter alguém para trabalhar comigo que pedi para que o deixasse tentar do mesmo
jeito. O dono falou que a decisão era minha, pois agora a cozinha estava nas
minhas mãos e o que quer que eu decidisse ele iria acatar...
Chamei o
brasileiro de lado e perguntei se ele já tinha trabalhado em cozinha antes (eu
tinha avisado à minha amiga que precisava de alguém com o mínimo de experiência
para que eu pudesse treinar o mais rápido possível e pegar uma folga...) Porém,
o rapaz só tinha experiência com sapatos... Expliquei para ele tudo o que tinha
acontecido até então e deixei bem claro que talvez ele estivesse entrando numa
fria, se queria continuar mesmo assim... Ele topou! Eu não sabia exatamente o
que estava sentindo naquele momento... Não sabia se me sentia feliz de ser
‘chef’ de uma cozinha, se ficava desesperada ou se me preocupava.... Mas fugir
dali naquele momento não era uma opção... A segunda-feira seguiu tranquila e o
rapaz me surpreendeu bastante!
Como eu só podia
trabalhar de noite por conta da escola, o dono contratou um ‘chef’ para o turno
do almoço.. Um italiano verborrágico, chato e tarado... Teoricamente o Marcos
(brasileiro que ia trabalhar comigo) iria treinar com ele durante o dia e ficar
comigo à noite para aprender mais rápido, mas no segundo dia ele já veio
desesperado falando que não queria trabalhar com esse louco. Montamos uma
cozinha brasileira, eu, Marcos e o baiano no dish! Foram dias bem divertidos,
montávamos sanduíches e tinhamos permissão para comer o que quiséssemos! A
semana seguiu e eu ainda estava à espera de mais um para equipe, pois precisava
folgar e o Marcos, mesmo me ajudando muito, não tinha condições de trabalhar
sozinho...
Na quarta-feira
o Chris (chef holandês que tinha sumido) me ligou e perguntou se eu ainda
estava trabalhando lá... Me pediu desculpas por ter sumido e falou para eu sair
de lá o mais rápido possível, pois os cheques que ele recebeu do David eram sem
fundo. Ele falou que descobriu mais 5 waiters que também tinham recebido
cheques sem fundo e que eles iriam à polícia denunciar o cara... Falou que o
que o David fazia era dar pequenas quantias em dinheiro para manter os
funcionários felizes por um tempo e dava uma parte maior do salário em cheques
sem fundo, que quando iam descontar já estava tarde demais pra recorrer.. Estava
me avisando porque provavelmente eu estaria trabalhando de graça... Finalizou
dizendo ‘pega a maior parte do que você conseguir em cash e some, senão você
vai ficar sem nada!’ Me gelou a espinha, o cara já me devia mais de 500 dólares
pelas minhas horas trabalhadas, fora os 400 dólares da despesa do hospital que
ele disse que ia pagar porque o meu seguro não quis cobrir... Lembrei de todas
as noites mal dormidas, o tempo que eu demorava para chegar em casa todos os
dias e todo o cansaço que eu tava sentindo! Isso não sairia de graça de jeito
nenhum!
Ponderei e
pensei bem o que poderia fazer para conseguir meu dinheiro! Tava decidido, eu
não iria pagar para ver se o cara era pilantra ou não... Mas precisava ganhar
pelo menos pelo que já tinha trabalhado! Fui conversar com ele e disse que
precisava de dinheiro para pagar o aluguel do novo lugar que eu ia morar. Ele
passou duas horas me explicando que teve um problema com a conta bancária dele
porque uma garçonete roubou uns cheques e gastou 6.000 dólares dele, então a conta
tava suspensa. Abriu a carteira e me deu todo o dinheiro que tinha (100 dólares
¬¬). Falei que eu precisava do dinheiro até sexta, senão não teria como me
mudar. Ele me assegurou que daria o que eu precisava, mas que dependia de
quanto tivesse em cash no caixa do dia. Avisei que teria que folgar no sábado
para fazer minha mudança (sábado era a data limite para sair da casa onde eu
estava, mas isso é pano pra outra manga...). Pronto, o plano estava armado...
Eu já tinha me convencido que tinha entrado numa fria, então trabalharia até
sexta para receber e sumiria... Meu pai fica muito bravo quando uso essa
expressão, mas ela se encaixa direitinho aqui, então para amenizar um pouquinho
“o que é um punzinho para quem já perdeu o controle do esfíncter?”
Na quinta-feira
cheguei para trabalhar já correndo atrás do meu dinheiro, mas nem encontrei com
o cara... Trabalhei agoniada, meu tempo tava passando... Avisei para os meninos
que iria embora no sábado e não voltaria mais..
O Marcos desesperou e disse que não trabalharia sem mim de jeito nenhum,
inventou que ia voltar para o Brasil, assim o dono tinha que pagar o mais
rápido possível para ele... Quando o dono apareceu na sexta fomos conversar com
ele e pedimos nosso dinheiro... Ele disse que voltaria no fim da noite e daria
tudo que tivesse no caixa para a gente! Me perguntou se eu tinha conta aqui
para ele me dar um cheque, na hora eu já respondi que não (é mentira, eu tenho)
e falei que precisava em dinheiro... A sexta foi chegando ao fim e já tínhamos
combinado que se o cara não pagasse pelo menos a gente ia comer todo o camarão
que tinha ali! Hahahaha Graças a Deus ele apareceu com um envelope e me deu
‘tudo’ o que tinha no caixa... 260 dólares... Minha cara foi no chão.. Ele me
devia mais de 800 e eu falei para ele que precisava de 600 para pagar o
aluguel... Ele me ofereceu ajuda para a mudança no sábado e falou que se eu
precisasse de mais dinheiro era só falar com ele que ele iria ver o caixa do
dia seguinte...
Contando assim
as coisas parecem ser muito ruins, mas a verdade é que eu tava sentindo um
pouco de pena do dono... Ele foi muito bonzinho comigo desde o começo (também
pudera, eu salvei a pele dele algumas vezes naquela cozinha...), me trazia
milkshake, me pagava taxi para voltar pra casa, e sempre me ofereceu ajuda para
o que eu precisava.... Ouvindo o que diziam eu não podia confiar, mas mesmo
assim eu fui boba, não tive coragem de pedir demissão na sexta. No sábado
liguei para ele e falei que precisava de mais dinheiro... Ele deixou um
envelope com a quantia que eu falei que queria... Ele não deu nenhum vacilo
comigo, mas era um cara muito enrolado, o sábado chegou ao fim e mesmo sem
trabalhar eu estava exausta!! Não conseguia nem pensar na possibilidade de
trabalhar no domingo! Decidi que trabalharia, mas já ia avisar que não voltava
na segunda...
Cheguei domingo
no pub passando mal. Fui com planos de conversar e pedir minha demissão assim
que chegasse, mas ele tava jogando sinuca e eu não quis interromper... Quando
me dei conta ele tinha ido embora... E agora, como avisaria? Liguei para ele
falando que tava passando muito mal e precisava ir embora... Isso não estava no
script... Ele foi ao pub só para levar remédio para mim, mesmo eu repetindo 500
vezes que não precisava... Não vi alternativa, tinha que falar ali, naquela
hora... Falei ‘David, eu não venho trabalhar amanhã..’ Ele já estava saindo
quando virou assustado e falou ‘O que isso quer dizer? Você tá se demitindo, é
isso???’ Não sabia o que falar, me bateu um negócio ruim na hora e eu falei
‘Não sei, talvez...’ Ele ficou nitidamente chateado, virou de costas e falou
irônico ‘Thank you, Fey!’ Depois de uma hora, o italiano louco chegou para me
substituir e eu fui embora!
Quando botei o
pé na rua eu me sentia aliviada. Não me importava que ainda faltava um dinheiro
para me pagar... Foi uma das experiências mais loucas da minha vida, mas valeu
cada segundo... Em menos de duas semanas eu trabalhei 80 horas sem folga, tendo
aulas pela manhã, cortei meu dedo, conheci 3 ‘chefs’ de nacionalidades
diferentes, fui ‘chef’ de um pub, trabalhei sozinha em uma cozinha inventando
pratos e lavando louça, fiz amizade com brasileiros muitos legais, tive que
tomar decisões completamente sozinha e ainda sobrevivi para contar! Assim
termina a saga do meu primeiro emprego aqui! Já estou entregando mais
currículos e espero voltar em breve contando a lenda do melhor emprego que
alguém pode ter! hahahahahaha
Ps.: Só para
arrematar e não me sentir muito culpada eu mandei um e-mail para o dono,
pedindo desculpas por ter saído assim. Agradeci a oportunidade de trabalhar lá,
toda a ajuda que ele me deu e falei que não poderia continuar porque estava
interferindo na minha saúde. Falei que se ele precisasse poderia me ligar e
pedi para marcar um dia para pegar o resto do meu dinheiro... Ele obviamente
não respondeu! Como nada comigo termina de forma convencional, dois dias depois
eu encontrei com ele no supermercado do lado da minha casa (desconfio
seriamente que ele pode ser meu vizinho! Hahahaha) Ele tentou disfarçar quando
me viu mas não tinha jeito, me cumprimentou meio esquisito e quando eu fui
abrir a boca para falar do email e do dinheiro,
ele simplesmente deu dois tapinhas no meu ombro de forma irônica e falou
‘Good Luck!’ É, acho que nunca vou ver a cor desse dinheiro.