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sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A saga do meu primeiro emprego no Canadá - Final


    Todo dia que eu chegava na escola estava com cara de ressaca e minhas coleguinhas me perguntavam ‘e aí, aconteceu mais alguma coisa louca ontem?’ Ninguém acreditava que podia acontecer tanta coisa doida comigo de uma só vez! Segunda-feira então era o melhor dia, porque tinha um fim de semana inteiro para contar! Nessa segunda, porém, eu cheguei com mais dúvidas do que histórias..  Perguntava para todo mundo o que eu deveria fazer, e obviamente todo mundo me dizia q era loucura ainda estar trabalhando lá... Mas não sei, acho que deve ser porque eu gosto de desafios... hahahaha

    Quando cheguei em Vancouver, eu achava que tinham pouquíssimos brasileiros aqui, mas com o tempo eu fui vendo que a comunidade brasileira daqui é grande e tende a se juntar... Acabei conhecendo muitos contrrâneos pelas esquinas da cidade... E vou dizer que isso me ajudou bastante... No desespero de não trabalhar sozinha liguei para uma amiga brasileira que namorava outro brasileiro e que conhecia mais um que queria trabalhar.. Expliquei que precisava de um cozinheiro e ela falou q arranjaria um, mas não me deu notícias... Quando cheguei ao pub na segunda, cumprimentei todo mundo e já estava preparando um textinho na cabeça para avisar ao dono que eu não trabalharia mais lá, já que ele não tinha arrumado ninguém... Só que quando eu cheguei o bartender me falou: ‘Fey (eles não conseguem falar Fê por nada nesse mundo, então ganhei esse apelidinho carinhoso que mais parece um nome japonês ou uma abreviação de feia.. hahaha), seu amigo está aqui’ e me apontou um rapaz que estava sentado no bar, mas que eu nunca tinha visto na vida... Logo saquei que era um brasileiro, e que provavelmente tinha sido chamado pela minha amiga, mas não consegui disfarçar e fingir que o conhecia. O dono, que estava bem na frente com o currículo dele na mão, me olhou com cara de espanto e perguntou ‘Peraí, vocês acabaram de se conhecer?’ Não tive como mentir, falei que sim, mas estava tão desesperada para ter alguém para trabalhar comigo que pedi para que o deixasse tentar do mesmo jeito. O dono falou que a decisão era minha, pois agora a cozinha estava nas minhas mãos e o que quer que eu decidisse ele iria acatar...

    Chamei o brasileiro de lado e perguntei se ele já tinha trabalhado em cozinha antes (eu tinha avisado à minha amiga que precisava de alguém com o mínimo de experiência para que eu pudesse treinar o mais rápido possível e pegar uma folga...) Porém, o rapaz só tinha experiência com sapatos... Expliquei para ele tudo o que tinha acontecido até então e deixei bem claro que talvez ele estivesse entrando numa fria, se queria continuar mesmo assim... Ele topou! Eu não sabia exatamente o que estava sentindo naquele momento... Não sabia se me sentia feliz de ser ‘chef’ de uma cozinha, se ficava desesperada ou se me preocupava.... Mas fugir dali naquele momento não era uma opção... A segunda-feira seguiu tranquila e o rapaz me surpreendeu bastante!

    Como eu só podia trabalhar de noite por conta da escola, o dono contratou um ‘chef’ para o turno do almoço.. Um italiano verborrágico, chato e tarado... Teoricamente o Marcos (brasileiro que ia trabalhar comigo) iria treinar com ele durante o dia e ficar comigo à noite para aprender mais rápido, mas no segundo dia ele já veio desesperado falando que não queria trabalhar com esse louco. Montamos uma cozinha brasileira, eu, Marcos e o baiano no dish! Foram dias bem divertidos, montávamos sanduíches e tinhamos permissão para comer o que quiséssemos! A semana seguiu e eu ainda estava à espera de mais um para equipe, pois precisava folgar e o Marcos, mesmo me ajudando muito, não tinha condições de trabalhar sozinho...

    Na quarta-feira o Chris (chef holandês que tinha sumido) me ligou e perguntou se eu ainda estava trabalhando lá... Me pediu desculpas por ter sumido e falou para eu sair de lá o mais rápido possível, pois os cheques que ele recebeu do David eram sem fundo. Ele falou que descobriu mais 5 waiters que também tinham recebido cheques sem fundo e que eles iriam à polícia denunciar o cara... Falou que o que o David fazia era dar pequenas quantias em dinheiro para manter os funcionários felizes por um tempo e dava uma parte maior do salário em cheques sem fundo, que quando iam descontar já estava tarde demais pra recorrer.. Estava me avisando porque provavelmente eu estaria trabalhando de graça... Finalizou dizendo ‘pega a maior parte do que você conseguir em cash e some, senão você vai ficar sem nada!’ Me gelou a espinha, o cara já me devia mais de 500 dólares pelas minhas horas trabalhadas, fora os 400 dólares da despesa do hospital que ele disse que ia pagar porque o meu seguro não quis cobrir... Lembrei de todas as noites mal dormidas, o tempo que eu demorava para chegar em casa todos os dias e todo o cansaço que eu tava sentindo! Isso não sairia de graça de jeito nenhum!

    Ponderei e pensei bem o que poderia fazer para conseguir meu dinheiro! Tava decidido, eu não iria pagar para ver se o cara era pilantra ou não... Mas precisava ganhar pelo menos pelo que já tinha trabalhado! Fui conversar com ele e disse que precisava de dinheiro para pagar o aluguel do novo lugar que eu ia morar. Ele passou duas horas me explicando que teve um problema com a conta bancária dele porque uma garçonete roubou uns cheques e gastou 6.000 dólares dele, então a conta tava suspensa. Abriu a carteira e me deu todo o dinheiro que tinha (100 dólares ¬¬). Falei que eu precisava do dinheiro até sexta, senão não teria como me mudar. Ele me assegurou que daria o que eu precisava, mas que dependia de quanto tivesse em cash no caixa do dia. Avisei que teria que folgar no sábado para fazer minha mudança (sábado era a data limite para sair da casa onde eu estava, mas isso é pano pra outra manga...). Pronto, o plano estava armado... Eu já tinha me convencido que tinha entrado numa fria, então trabalharia até sexta para receber e sumiria... Meu pai fica muito bravo quando uso essa expressão, mas ela se encaixa direitinho aqui, então para amenizar um pouquinho “o que é um punzinho para quem já perdeu o controle do esfíncter?”

    Na quinta-feira cheguei para trabalhar já correndo atrás do meu dinheiro, mas nem encontrei com o cara... Trabalhei agoniada, meu tempo tava passando... Avisei para os meninos que iria embora no sábado e não voltaria mais..  O Marcos desesperou e disse que não trabalharia sem mim de jeito nenhum, inventou que ia voltar para o Brasil, assim o dono tinha que pagar o mais rápido possível para ele... Quando o dono apareceu na sexta fomos conversar com ele e pedimos nosso dinheiro... Ele disse que voltaria no fim da noite e daria tudo que tivesse no caixa para a gente! Me perguntou se eu tinha conta aqui para ele me dar um cheque, na hora eu já respondi que não (é mentira, eu tenho) e falei que precisava em dinheiro... A sexta foi chegando ao fim e já tínhamos combinado que se o cara não pagasse pelo menos a gente ia comer todo o camarão que tinha ali! Hahahaha Graças a Deus ele apareceu com um envelope e me deu ‘tudo’ o que tinha no caixa... 260 dólares... Minha cara foi no chão.. Ele me devia mais de 800 e eu falei para ele que precisava de 600 para pagar o aluguel... Ele me ofereceu ajuda para a mudança no sábado e falou que se eu precisasse de mais dinheiro era só falar com ele que ele iria ver o caixa do dia seguinte...

     Contando assim as coisas parecem ser muito ruins, mas a verdade é que eu tava sentindo um pouco de pena do dono... Ele foi muito bonzinho comigo desde o começo (também pudera, eu salvei a pele dele algumas vezes naquela cozinha...), me trazia milkshake, me pagava taxi para voltar pra casa, e sempre me ofereceu ajuda para o que eu precisava.... Ouvindo o que diziam eu não podia confiar, mas mesmo assim eu fui boba, não tive coragem de pedir demissão na sexta. No sábado liguei para ele e falei que precisava de mais dinheiro... Ele deixou um envelope com a quantia que eu falei que queria... Ele não deu nenhum vacilo comigo, mas era um cara muito enrolado, o sábado chegou ao fim e mesmo sem trabalhar eu estava exausta!! Não conseguia nem pensar na possibilidade de trabalhar no domingo! Decidi que trabalharia, mas já ia avisar que não voltava na segunda...

    Cheguei domingo no pub passando mal. Fui com planos de conversar e pedir minha demissão assim que chegasse, mas ele tava jogando sinuca e eu não quis interromper... Quando me dei conta ele tinha ido embora... E agora, como avisaria? Liguei para ele falando que tava passando muito mal e precisava ir embora... Isso não estava no script... Ele foi ao pub só para levar remédio para mim, mesmo eu repetindo 500 vezes que não precisava... Não vi alternativa, tinha que falar ali, naquela hora... Falei ‘David, eu não venho trabalhar amanhã..’ Ele já estava saindo quando virou assustado e falou ‘O que isso quer dizer? Você tá se demitindo, é isso???’ Não sabia o que falar, me bateu um negócio ruim na hora e eu falei ‘Não sei, talvez...’ Ele ficou nitidamente chateado, virou de costas e falou irônico ‘Thank you, Fey!’ Depois de uma hora, o italiano louco chegou para me substituir e eu fui embora!

    Quando botei o pé na rua eu me sentia aliviada. Não me importava que ainda faltava um dinheiro para me pagar... Foi uma das experiências mais loucas da minha vida, mas valeu cada segundo... Em menos de duas semanas eu trabalhei 80 horas sem folga, tendo aulas pela manhã, cortei meu dedo, conheci 3 ‘chefs’ de nacionalidades diferentes, fui ‘chef’ de um pub, trabalhei sozinha em uma cozinha inventando pratos e lavando louça, fiz amizade com brasileiros muitos legais, tive que tomar decisões completamente sozinha e ainda sobrevivi para contar! Assim termina a saga do meu primeiro emprego aqui! Já estou entregando mais currículos e espero voltar em breve contando a lenda do melhor emprego que alguém pode ter! hahahahahaha

Ps.: Só para arrematar e não me sentir muito culpada eu mandei um e-mail para o dono, pedindo desculpas por ter saído assim. Agradeci a oportunidade de trabalhar lá, toda a ajuda que ele me deu e falei que não poderia continuar porque estava interferindo na minha saúde. Falei que se ele precisasse poderia me ligar e pedi para marcar um dia para pegar o resto do meu dinheiro... Ele obviamente não respondeu! Como nada comigo termina de forma convencional, dois dias depois eu encontrei com ele no supermercado do lado da minha casa (desconfio seriamente que ele pode ser meu vizinho! Hahahaha) Ele tentou disfarçar quando me viu mas não tinha jeito, me cumprimentou meio esquisito e quando eu fui abrir a boca para falar do email e do dinheiro,  ele simplesmente deu dois tapinhas no meu ombro de forma irônica e falou ‘Good Luck!’ É, acho que nunca vou ver a cor desse dinheiro.


10 comentários:

  1. Não pode ser boazinha assim "Fey"! Mas você vai arrumar um trabalho legal e a próxima saga vai ser como você mesma disse "a lenda do melhor emprego que alguém pode ter". Good Luck... que cara irônico kkkkk...

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    1. Eu tô aprendendo! Achei que ser boazinha era uma coisa boa, mas pelo visto eu tenho que me regrar nisso! hahaha Essa história é boa para quem reclama que a vida de Outbacker é difícil! hahahaha Outback é moleza perto do que eu passei essas semanas!

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  2. Oi Fey! (Gostei do apelido! Já tenho o complemento na cabeça, mas vou guardar para mim... hehehehe)!
    Essa sua saga me lembrou uma expressão muito boa para isso: "Batismo de fogo"!
    Gostei da sua conclusão, o que valeu foi a experiência e essa vai demorar um pouco para você esquecer... mas, foi para isso mesmo que vc foi para aí, né?
    Ainda bem que eu só li isso depois que eu já falei com você no Skype e sei que está tudo bem, mas é muito bacana acompanhar as suas histórias. Apesar das dificuldades, você está curtindo muito mais por aí do que se estivesse na sua velha rotina aqui em Bsb. Da próxima vez que bater aquele desespero de voltar, pense no que você já está deixando para trás por aí porque aqui você já sabe o que vai encontrar...
    Vamos ver se nos encontramos no Skype esse final de semana para eu saber das novidades em primeira mão... pq essa história aqui já é notícia velha... hehehehe!
    Bjs!

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    1. Muito engraçadinho! hahahaha Sei exatamente qual o complemento na sua cabeça! Engraçado que quando fui escrevendo é que me dei conta de quanta coisa que passei e de quão enrolada foi essa história, por isso achei a expressão saga perfeita... No fundo não é tão difícil quanto parece... Você vão se impressionar com a Fernandinha que vai voltar para casa! ;]
      E esse fim de semana eu não tô trabalhando, então tenho todo o tempo livre para encontrar com vocês no skype! Quero ver quais palavras minha sobrinha liiinda aprendeu essa semana! ;D
      Beijo mermão! Fiquei feliz que você leu e comentou! Estou com saudades! ;*

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  3. Bom... eu conhecia o final da história !!! :o))
    Mas quero te lembrar que o que você acumulou de experiência profissional e pessoal, não há dinheiro que pague !!!
    Então, esqueça os dólares e agradeça por estar tendo essa oportunidade. Tudo o que você viver por aí (sejam bons ou maus momentos) será sua maior recompensa.
    No mais, tenha certeza que o apoio (mesmo que à distância) não faltará!!!
    Beijos...

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    1. É verdade mãe... Tem coisas na vida que o dinheiro não paga (e aqui nem o mastercard funciona.. hahahah) Uns dólares a mais não cairiam mal nesse país caríssimo, mas até aí dá para tirar um lado positivo e fica a chance para eu aprender a me virar com o pouco... E o apoio de vocês está sendo fundamental para mim! Obrigada por tudo!!
      ;*

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  4. Fê, ou Fey, a palavra "saga" é originária do escandinavo antigo e se refere, entre outras (ou p. ext., como está no Houaiss), a uma narrativa fecunda em incidentes...
    Já o vernáculo "saga" originário do latim é o nome que os romanos davam às bruxas e feiticeiras.
    Sei que você usou a acepção escandinava, mas, que há feitiço na sua crônica, há... aguardo com a ansiedade de um dependente o desenrolar de sua epopeia, mesmo que narrada em curtos capítulos e sem oratória pomposa das epopeias antigas.
    Para não deixar de falar em flores, o seu corretor ortográfico está deixando passar muito o "tava" no lugar do estava... e o irônico é que, numa mesma linha os dois convivem ("...falando que tava passando muito mal e precisava ir embora... Isso não estava no script..."). hehehe ou kkkk, ou ainda hahaha...
    beijão do seu paipai.

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    1. Ô paizinho, vou me policiar aqui com o português... É que mantenho o blog mais como uma coisa informal, estou passando minhas experiências e quero sentir como se EStivesse contando para meus amigos (o que de fato estou, pq meus leitores são amigos e família.. Então não EStou dando muita importância para o português e a gramática... E meu corretor do word eu não estou conseguindo instalar... Mas relaxe que eu chego lá, vou tentar melhorar aqui aos poucos...

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  5. so consigo dizer duas coisas.,.. to aliviada e orgulhosa de vc.. minha amiga virou uma adulta em 1 semana... nossa tava surtando com vc nesse emprego de louco..mas como tudo na vida.. foi uma oportunidade de muito aprendizado..

    mas tbm nao precisava ser tao intenso/tenso assim o primeiro emprego neh flor? rsrsrs

    beijos saudades

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  6. Prima, se continuar acumulando este tanto de experiência intensa como tem sido seus últimos meses, quando voltar para o Brasil vai estar mais velha do que eu...rs. Brincadeiras à parte, que história! Parabéns pela maneira como tem encarado seus desafios. Desse jeito você vai aprendendo cada dia mais sobre você mesma e criando toda estabilidade do mundo pra enfrentar a vida. Beijão.

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